Audiência Pública na ALMG sobre a transferência de rejeitos radioativos de SP para Caldas

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Debater os impactos socioambientais e os riscos para o Município de Caldas e região da transferência de cerca de mil toneladas de rejeito radioativo, conhecido como Torta II, da unidade de Interlagos (SP) das Indústrias Nucleares do Brasil, para a unidade desativada dessa empresa no referido município.

A Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais debateu nesta terça (21) os impactos socioambientais e os riscos para o município de Caldas e região da transferência de cerca de mil toneladas de rejeito radioativo, conhecido como Torta II, da unidade de Interlagos (SP) das Indústrias Nucleares do Brasil para a unidade desativada dessa empresa no município mineiro.

A Audiência foi realizada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT) a pedido do vereador de Caldas, Daniel Tygel, companheiro de legenda da Deputada, e contou com a participação de colegas do legislativo estadual, e demais pares do legislativo caldense, do prefeito Ailton Goulart, e de chefes do executivo de Santa Rita de Caldas, de Ibitiúra de Minas, de Ipuiuna e da presidente da Amarp e prefeita de Andradas Margot Pioli representando todos os municípios da associação do Alto do Rio Pardo, dentre outras autoridades.

Logo no início da audiência, a deputada leu parte do parecer do TCU (Tribunal de Contas da União) que afirma que a unidade da INB de Caldas está em desacordo com o que se espera de uma área que acomoda material radioativo. Além de afirmar também em sua pagina 8 que a tentativa de transferência de material radioativo de São Paulo para Minas tem por base interesses econômicos na área da unidade paulistana.

Deputados participaram do diálogo, inclusive, relatando outros momentos nos quais a referida empresa foi convidada a dar esclarecimentos sobre a situação em que os rejeitos estão acondicionados em Caldas. Mas, relataram que sempre tiveram dificuldades em obter respostas da empresa.

O vereador Daniel Tygel disse que a população está de acordo com o diálogo com a empresa INB, desde que esse seja com “compromisso, respeito e transparência”. Algo que seria, segundo ele, muito diferente da postura que a empresa mantém já que, mais uma vez, se esquivou do diálogo, não comparecendo à Audiência. E sugeriu a contratação de uma equipe técnica especializada e terceirizada para vistoriar a unidade da indústria em Caldas.

Jefferson Borges Araújo, Coordenador-Geral de Reatores e Ciclo do Combustível da Comissão Nacional de Energia Nuclear, CNEM- falou pela internet, em nome do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. E garantiu que qualquer processo que envolva manuseio de material radiativo precisa do envolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear. E que, segundo ele, não há nenhum processo em curso de SP para MG. Falou que atesta a integridade da barreira da INB. “Temos um grupo de inspetores residentes em Poços de Caldas. Fazemos inspeções até semanais na barragem em Poços de Caldas e posso garantir que ela está instrumentada, está sendo monitorada, justamente pra chegar a um laudo que prove a integridade do material que está em Poços de Caldas”, numa tentativa de tranquilizar a todos os presentes sobre a conduta também na cidade de Caldas.

Araújo também garantiu que o descomissionamento da unidade de Caldas já foi iniciado. “Eu assumi as operações recentemente e posso garantir que existe uma série de estudos e pesquisas em curso. Infelizmente, alguns demandam tempo. Algumas atividades de descomissionamento estão em andamento. Estamos fiscalizando inclusive o cumprimento dos prazos desses cronogramas”, afirmou o Coordenador.

Alexandre Pereira de Oliveira – Inspetor Residente da Comissão Nacional de Energia Nuclear – também vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, endossou as palavras de Araújo dizendo que “ele participa da inspeção da mina de urânio em Caldas e é como se fosse os olhos e ouvidos do Cnem naquele local”.

A membro da Articulação Antinuclear Brasileira, Joelma de C. Martins também expôs virtualmente seu parecer sobre o caso. Ela começou mostrando que desde o envio da Torta 2 para a Mina do Cercado, em Caldas, na década de 90, bombonas e a própria Torta 2 já ficaram exposta à céu aberto no local. E que, apesar de pequenas modificações ao longo dos anos, se preocupa com “o que vai sobrar do sul de Minas e interior paulista se área da INB em Caldas se mantiver nestas condições?” indagou.

Cabrito vigiando a horta?
O prefeito de Caldas, Ailton Goulart também acredita que a discussão em torno da vinda de material radioativo para o município mineiro “deixa de ser uma luta local, regional, para ser uma briga estadual”. E afirmou: “Nós não somos obrigados a receber um lixo que nós não geramos. Caldas, vocês sabem, é uma cidade turística. Temos Pocinhos do Rio Verde com suas águas medicinais e, depois de 30 anos, estamos fazendo essa água jorrar novamente. E a vinda do lixo radioativo significa, para um município que precisa tanto do turismo, que eles estão colocando uma pá de cal em nossos sonhos”, alertou para o perigo da ação inviabilizar as atividades turísticas no município. E continuou. “Caldas merece ser respeitada. A INB jamais respeitou Caldas. O tratamento dela para com outras cidades onde têm unidades é prova disso. Com todo respeito, a minha opinião é que a empresa nunca quis fazer o descomissionamento da área. Estão tentando fazer de Caldas um depósito de lixo radioativo. Por que escondem tanto?”, questionou o prefeito.
Ailton ainda fez um pedido à Deputada que convocou a audiência. “Precisamos que se instaure uma comissão parlamentar de inquérito para se apurar as responsabilidades daquilo. Trazer para nossa população o que, de fato, acontece lá. Eu, enquanto prefeito, vocês podem ter certeza, de que a gente vai lutar, e lutar muito, pra que esse lixo não chegue em Caldas. Mas, sozinho a gente não consegue. Precisamos que o governo estadual se manifeste porque, afinal de contas, é Minas Gerais”.

Para a geóloga e Presidente do Comitê de Bacias Hidrográficas dos rios Mogi e Pardo, a mudança deveria ocorrer no modo de governança. Segundo Ângela Marques, que disse se basear no parecer do Tribunal de Contas da União, “a maior detentora de ações da INB é a CNEM, ou seja, o governo federal”. E usou uma expressão bem conhecida, para sintetizar o caso indagando se seria “cabrito vigiando horta” já que é a própria CNEM que realiza as inspeções na unidade de Caldas.

Ela trouxe para a discussão também a preocupação com o fato de não haver mecanismos que evitem a descarga de energia elétrica na região dos galpões da INB em Caldas, sendo que o planalto é amplamente atingida por raios. E finalizou dizendo que o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros dos Rios Mogi Guaçu e Pardo protocolou uma Moção de Repúdio à intenção da INB em trazer este lixo radioativo para Caldas.

O secretário de Governo do estado de Minas, Igor Mascarenhas enviou representante à Audiência, o Superintendente de Assuntos Parlamentares da SEGOV, Leorges de Araújo Rodrigues, que afirmou o recebimento dessa moção de repúdio pelo IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) e que, segundo ele, “o órgão deve emitir algum parecer nos próximos dias”.
O representante ainda afirmou que o governo mineiro está sensível a esta questão. E disse que precisam, realmente, defender o meio ambiente e a população dessa área de risco. E que é importante trazer o governo federal para essa discussão, pois, sem ele, acredita, que seja muito difícil tirar do papel essa discussão”. O Superintendente se comprometeu a passar o assunto para o secretário de Estado, no menor tempo possível, para que possa haver uma medida concreta diante do assunto.

Finalizando, a deputada Beatriz Cerqueira diz que, considerando a confluência de pensamentos de todos os participantes na audiência, que é o de ser contra a transferência de rejeitos para Caldas, propôs aos deputados e deputadas que todos assinassem o requerimento já disponível para que o debate desse assunto se torne uma propositura da Assembleia, elevando a discussão para um nível estadual.
O Ministério Público Federal também foi acionado, através de requerimento da deputada Beatriz Cerqueira, para inspecionar o estado das instalações e do material já mantido pela INB em Caldas. E outro requerimento, de mesma autoria, foi direcionado ao Conselho Nacional de Energia Nuclear para que tomem providências para iniciar imediatamente o descomissionamento da área.

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